"Thelma Brown sempre gostou de animais, mas foi quando chegou à Madeira, há cerca de quatro anos, que começou a se dedicar um pouco mais à causa dos cães e gatos abandonados
A tarde é de ronda pelo Cabo Girão, um dos locais onde todas as semanas a britânica Thelma Brown se desloca para alimentar alguns animais errantes.
Com um sorriso, diz que se auto-intitula 'louca por animais' e é fácil perceber porquê quando o cão se aproxima sem medo e começa logo a brincar.
A sua paixão começou muito antes de vir para a Madeira. Em Inglaterra, durante os últimos seis anos que lá viveu, trabalhou como voluntária numa associação protectora de animais.
Ali estava encarregue de visitar as casas de quem se propunha a adoptar um cão ou um gato. Tinha também de entrevistar estas pessoas e, depois da adopção propriamente dita, visitava os animais nos seus novos lares e avaliava a situação. "Era um trabalho muito gratificante", recorda.
Mas teve de deixar tudo isto quando veio para a Madeira, juntamente com o marido, Trevor, há cerca de quatro anos. Da ligação com os animais iniciada em Inglaterra trouxe para a Região dois cães, quatro gatos e uma tartaruga. A adaptação à ilha nãofoi fácil.
Dois dos gatos desapareceram e os outros dois tiveram de ser abatidos devido à longa idade. A casa onde Thelma vive com o marido é agora partilhada apenas com um gato e dois cães trazidos da Inglaterra "e não podemos ter mais porque vivemos muito perto da estrada", explica.
Embora não tenha outros cães e gatos na sua casa, Thelma adoptou vários animais desde que chegou à Madeira. Poucos meses depois de ter cá chegado, uma vizinha bateu-lhe à porta. "Disse-me que havia uns cachorrinhos abandonados na praia da Ponta do Sol". Foi então até à praia e lá encontrou duas fêmeas. Uma tinha um cachorrinho e a outra tinha dois filhotes. "Não havia casas por perto, por isso eu soube que eram animais errantes. Então, comecei a alimentá-los".
Rapidamente, Thelma Brown percebeu que estava a lidar com uma gota no oceano. "Existem tantos animais abandonados e errantes aqui na Madeira", diz com o espanto que o tempo ainda não conseguiu diminuir.
Aos poucos foi adquirindo maior 'clientela'. Uns cães na Ponta do Sol, outros na Calheta e ainda mais um grupo no Cabo Girão. Thelma Brown tem muito boa vontade, mas apenas duas mãos e um só carro. Nunca sai de casa sem um saco de ração no porta-bagagens e é assim que aos poucos vai mantendo e nutrindo cerca de uma dezena de cães.
Com o passar dos meses também conseguiu cativar outras pessoas. Actualmente são cerca de meia dúzia os membros do projecto iniciado por Thelma. Intitulado NAFS - Neutering and Feeding Strays (Esterilizar e Alimentar Animais Errantes), o objectivo é o de diminuir o número de cães e gatos abandonados na Madeira.
Os ainda poucos voluntários estão espalhados um pouco por toda a ilha. Uma senhora alimenta alguns cães nos Canhas, um outro senhor cuida de alguns animais na Ribeira Brava. Tem também uma senhora no Caniço que alimenta mais de trinta gatos, um grupo de pessoas que todos os dias deixa comer na promenade do Lido e um senhor que alimenta alguns gatos junto à Clínica de Santa Luzia.
Mas não chega. É preciso mais, muito mais. O ideal seria ter voluntários um pouco por toda a ilha e em zonas-chave como a rotunda dos Viveiros onde dezenas de cães se juntam.
Além dos voluntários são necessários donativos. Em dinheiro ou género. "Um saco grande de ração para cães no 'Modelo' custa 10 euros e os animais adoram", exemplifica Thelma. E não basta ração. É preciso dinheiro para pagar as esterilizações dos animais. "Precisamos de continuar a esterilizar para diminuir o aumento da população errante, porque já existem tantos animais e parece que as pessoas os tratam quase como uma peça de mobiliário que depois dão ou desprezam...". Alguns turistas ou estrangeiros residentes na Madeira que ficam a conhecer o projecto acabam por se render aos ideais e dão sempre alguma ajuda. "Os estrangeiros não percebem porque é que as pessoas não cuidam dos animais, até porque em muitos países europeus há essa responsabilidade." A VetFunchal colabora com o projecto de Thelma Brown e dá assistência aos animais que necessitam de tratamento veterinário. Mas os tratamentos têm custos e todos esses têm vindo a ser suportados pelos voluntários da NAFS.
(...)É por isso que sublinha que acreditar que os animais se desenvencilham sozinhos é um mito. "Há muitos anos, domesticámos os cães e os gatos, para nos protegerem ou fazerem companhia". Agora é tarde para que as pessoas se descartem dessa responsabilidade. "Os animais precisam de carinho, de alguém que os afague, que os alimente, que os escove... De alguém que tome conta deles", acrescenta. "É bom para o coração, sabe. O deles e o nosso".
É este benefício que vemos espelhado nos olhos de Thelma quando Trevor grita do outro lado da estrada. "Aí vêm os outros dois!" Um deles responde logo ao chamamento de Thelma e corre para brincar. Outro, a fêmea, olha desconfiada para as pessoas que ali estão. "É melhor não olhar directamente para o animal, se queremos ganhar a confiança deles", explica-nos.
Depois de afagar os animais e de reforçar a dose de ração do dia por força do aumento da 'clientela', Thelma entra no carro com a sensação de dever cumprido. Antes de rumar para casa deixa um último apelo aos madeirenses: "As pessoas devem tentar estabelecer uma relação com os animais, porque eles estão cá para confortar e serem amigos dos Homens. As pessoas deviam fazer o possível para tornar os animais felizes"."
(Ana Luísa Correia, Retirado do Diário de Notícias da Madeira, 26/04/07)
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